O vento frio da madrugada entra pelos seus cabelos, uma sensação de abandono toma seu corpo, o cheiro de terra úmida, fresca chega até ela, meu Deus o que farei agora? Pensava diante do berço do filho, que dormia tranqüilo.
Seu corpo cansado mostrava fragmentos do tempo, da solidão… Sentia sua ausência e olhava para o filho com pesar e dor.
Ela queria encontrar pilastras para sustentar as ruínas que carregava, porém não iria encontrar essa resistência em Thiago, seu único filho. Afinal ele só tinha seis anos. Não possuía a dureza e a robustez da argamassa. Ele era ainda a planta de uma grande construção, sujeita a alterações, a reformas, adições de medidas ou o recorte delas. Sofia chorou.
Sofia chorou copiosamente, sentia as lágrimas escorrerem pelos seus olhos turvos, não conseguia respirar, sentia-se desesperada, só sabia que continuaria assim por muito tempo… Olhou para Thiago e percebeu que não podia mais criá-lo, olhava para ele e via o rosto do pai, aquela vidinha frágil fazia com que ela permanecesse viva…
Thiago tinha uma tez suave, traços angelicais, corpo esguio. Os olhos cheios de lágrimas embaçaram a imagem, mas para ela o filho era perfeito, sem qualquer erro, pura exatidão. Uma exatidão que surgiu do acaso. Thiago viera de uma camisinha furada em uma noite sem importância de agosto.
Quando confirmou o resultado com um desses testes baratos, falou para Lucas. O futuro pai ainda duvidou. “É meu mesmo?”. Sofia tinha perdido a virgindade com aquele idiota. Casaram de papel passado, mas as alianças os uniram até aquela madrugada.
Ela não tinha muitos sonhos. Não tinha ambição. Contentava-se com aquilo que Lucas lhe trazia. Uma panela nova, brinquedos para a criança, algumas roupas para ela, entretanto, os presentes foram sumindo. A rotina fora substituída. Agora, ele agradava outras por aí… Sofia sabia daquela situação, mas calava a todo instante. Cegava os olhos e acreditava que tudo era uma fase. Todo casal tem as suas. Superariam logo.
Lucas chegava ainda mais tarde. Às vezes bêbado, outras fedendo mulher, o pior era quando não chegava. Sofia tentava o dialogo. Conversavam sobre o futuro, sobre o futuro de Thiago, discutiam. O final era sempre tenso! Não existia o confronto físico. Lucas não era dessas coisas. Mas sempre dizia que iria sumir… Ir para longe, não importasse onde, mas iria. Até que foi.
Sofia, que já se sentia sozinha, ficou só com Thiago, e o menino tinha o azar de ser a cara do pai. Tocou de leve a cabeça do filho e lembrou dos afagos, dos poucos afagos que sentiu, aqueles que lhe deram algum prazer substancial. Observou as mãos, eram as mãos do Lucas trabalhador.
A mãe imaginou um futuro brilhante. Teria um bom trabalho, seria digno, honrado, por mais que esse último esteja em falta ultimamente. Seria um amigo fiel, um bom brincalhão, sério, quando necessário. Casaria e teria uma mulher parecida com ela, linda de tirar o fôlego. Pensou nos netos, todos carregariam a herança de Lucas. O mesmo rosto, as mesmas mãos e quem sabe o mesmo caráter. Era melhor não arriscar!
Fez uma oração. Agradeceu a Deus pelas coisas boas de sua vida, xingou Ele e todos que moravam em seu reino, pois seria cruel. Algo que nunca foi. Ao final da reza, pediu perdão…
Foi até um armário e pegou um travesseiro grosso. Iria dormir ao lado do filho. Levemente Sofia colocou o travesseiro sobre a criança. Como era doce o seu sono… Comprimiu! Thiago despertou num susto. Chamou pelo pai. Chamou pela mãe. Chamou o tio Jair. Chamou o vô Antônio. Chamou o anjo da guarda. E por fim chamou Jesus. Ninguém veio…
Naquele instante, Sofia se acalmou… Sentiu uma leve paz…
Ela foi até o varal e retirou um dos fios. Era o último ato fúnebre daquela noite…
…………………………………………………………………
* Ariel Tavares é jornalista, formada em Letras e pós-graduanda em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela União Pan Americana de Ensino (Unipan)
ariel@certto.com.br
Comentários